terça-feira, 15 de novembro de 2011

Pulando etapas


"Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino".
( Paulo Freire )
Conta-se que certa feita, determinado vigário se dirigiu a uma comunidade para realizar uma missa e por ser uma comunidade muito isolada em longínquo povoado, quando lá ele ia, realizava todas os sacramentos necessários aos paroquianos isolados. Lá chegando, foi se organizando e dispondo os santos objetos de cada sacramento que por ventura se fizesse necessário, e na hora marcada para a missa se pôs a porta da capela a esperar. De repente eis que vem chegando um caipira, acomoda seu pingo num galho de roseira seca e vai se encostando a parede esperando pela missa. O tempo foi passando e não chega ninguém mais, então o padre se dirige ao paroquiano e pergunta a este que até o momento só observava e nada falava: – Mas bah! Será que não vem mais ninguém? Ao que o capiau responde: – Pois olha seu padre, eu não sei muita coisa, sei mesmo é tratar vaca, o senhor é que deve saber mais. O padre então se impõe e comenta: – Muito bem, então vamos fazer o seguinte, vamos esperar um pouco mais e assim que o restante do povo chegar nós iniciamos a missa. Passaram-se de 30 a 45 minutos e como ninguém aparece o padre comenta de novo: – Bom já que ninguém apareceu vamos dar por encerado e marcamos outra data. Pode ser? O caipira responde: – Olha seu padre, eu não sei muito das coisas, entendo mesmo é de tratar vaca, mas se eu for tratar as vacas num dia de manhã e só vier uma vaca para o estábulo para ser tratada, eu garanto para o senhor que vou tratar essa que apareceu. O padre percebendo a lambada que acabava de receber do caipira decidiu então realizar a missa para um paroquiano só, e começou desde a criação de Adão e Eva passou pelo Êxodo, a travessia do Mar Vermelho, o Pentateuco e os reinados de Davi e Salomão, chegou nos profetas que anunciavam a vinda do Messias, o nascimento e morte de Jesus o Novo Testamento todo. Duas horas e meia depois, onde o caipira só ouvia atento,  tipo coruja, não fala nada mas presta muita atenção. Depois de todo esse tempo o padre ainda não satisfeito com o comentário anterior do caipira, comenta: – Então, gostou? Que tal achou da missa? E do sermão? E a exposição das sagradas escrituras? O caipira depois de muito tempo calado então fala: – Olha seu padre, eu não entendo muito das coisas, eu sei mesmo é tratar vaca, mas uma coisa eu garanto para o senhor,  se eu for tratar as minhas vacas e aparecer apenas uma delas, eu não vou dar o pasto todo de uma vez só.
Creio que deve ser assim na escola, educação é processual cada coisa a seu tempo, cada etapa tem de ser vivenciada intensamente, cada aluno tem seu tempo de aprender e não tem sido entendido dessa forma, a questão educacional em Jaraguá do Sul, em Santa Catarina e no Brasil, haja visto as situações que se apresentam.
Enumerando as situações com as quais não concordo e justificando:
Tapando sol com peneira – sou professor de Geografia séries finais/ensino médio e tenho presenciado a chegada de alunos cada vez menos preparados ou com os conceitos mínimos e mais elementares deficitários. A que se deve isso? Em algum momento do processo ensino-aprendizagem alguma ou muita coisa faltou.
Pensa bem, a situação é a seguinte: o professor tem apenas 40 minutos de aula, chega e tem de acomodar a turma que está toda na porta ‘’recepcionando ’’ o professor, tem de fazer a chamada, que pasmem estamos no século XXI e ainda fazemos a anotação da presença em papel, pois o estado que deveria providenciar esse processo virtual, gastou um enormidade de nosso dinheiro com uma empresa que deveria nos dar essas condições e a empresa literalmente comeu nosso dinheiro e foi embora sem prestar contas e nós como sempre permanecemos calado diante desses desmandes desse pretenso governo. Bom voltando a vaca fria entre a troca de sala, acomodar aluno e fazer a chamada, gastamos em torno de 10 minutos, só nos resta então 30 minutos por aula. Como então acontece esse milagre? Eu respondo: no conselho de classe quando os diretores a mando das secretarias de educação já avisam: – nosso índice de reprovação não pode passar de tanto.
Se fizermos uma comparação com as escolas particulares onde os alunos tem 50 minutos de aula e 29 aulas semanais e não 25 como no estado numa conta simples chegamos a seguinte conclusão:
São 10 minutos por aula multiplicado por 5 aulas por dia que resulta em uma aula a mais por dia some então essas 5 aulas semanais acumuladas nas sobras de dez minutos cada aula com as 4 aulas a mais por semana temos então 9 aulas a mais por semana.
Se considerarmos que 200 dias letivos tem numa conta simples e posso estar errado, em torno de 40 semanas de aula multiplicando 40 x 9 teremos 360 aulas, isso significa que as escolas particulares tem 360 aulas a mais que as escolas públicas, o que significa admitirmos que temos escolas pobre para pobres. O que deverá manter o processo de divisão de classes.  
 É claro que vamos ouvir um monte de desculpas como por exemplo: O aluno não tem incentivo em casa; Ele, o aluno, tem uma babá eletrônica; Os pais não dão limites; Aquilo que é moda “esse menino é hiperativo” e por ai vai. O detalhe é, somos professores e temos de conviver com todos esses viés e temos de resolvê-los ou mudamos de profissão. Mas o que não podemos negar é que nossos alunos tem progredido nas séries com conhecimento deficitários. Isso é verdade e todos sabemos então como nossas escolas tem um índice de aprovação tão alto, ou seja o Estado de Santa Catarina consegue fazer milagre, tem uma das menores carga horária no Ensino Médio do Brasil e no entanto uma das melhores taxas de aprovação. Dados ou ações manipulados? A cada ano é uma nova fórmula para facilitar ainda mais a aprovação, ou seja os diretores vão nos dizer é o sistema, e eles tem razão é o sistema que está estruturado para fazer filhos de operários continuarem a fazer apenas ensino médio, ou técnico/ensino superior, claro os cursos mais baratos e que preparem ou façam novos operários que serão mandados pelas mesmas famílias que sempre estiveram no poder.
Situação da greve – a questão da greve em nosso estado nesse ano só veio agravar ainda mais esse processo que ao meu ver não foi observado pelo governo uma vez que não deu a devida atenção desde o momento que entrou com a ADIN. Um governo corrupto, inescrupuloso, e sem a menor preocupação com a criação de uma comunidade crítica e sujeito de sua história.
Efetivação não é sinônimo de incompetência ou inoperância – é triste, mas observamos uma leva de professores que uma vez efetivos não buscam mais inovação e pensam que o fato de serem efetivos podem ser inoperantes, e somam as ações do governo criando uma escola pobre para pobre, pois devido a todas as circunstâncias, tempo de aula diminuído, falta de equipamentos eletro-eletrônicos em sala, ambiente virtual precário, ministram aulas pobres para pobres.
Ensino a distância – temos assistido a uma proliferação de universidades virtuais em todo o Brasil, com o aval do Ministério da Educação, que tem aceito essa situação, pois através dela a certificação tem acontecido a rodo. E qual o resultado disso? Professores mal preparados tem entrado em sala de aula como ficou evidenciado no item que nominei de “tapando sol com peneira” e como resultado alunos pouco ou muito mal preparados para resolver problemas, e no sentido inverso criam problemas.
Solidão pedagógica – somado a todas essas situações vejo situação da solidão pedagógica vivida pelas pessoas que se predispõe a ajudar ou fazer projetos para melhorar os índices escolares. Quem são essas pessoas? As Assistentes Técnicas Pedagógicas, principalmente, pois sei de fonte segura que muitos (as) deles tem projetos muito bons e nem sempre lhes é dado a devida atenção ou aceitação, pois muitos de nós professores nem sempre estamos abertos a aceitar a intervenção de outros em “nossas aulas”, entre aspas pois penso que se a aula é nossa devemos levá-las para casa ou então mantê-las dentro de nossas pastas, mas se a aula é do aluno que está esperando por algo diferente então que tal aceitar a novidade e melhorarmos a aula.
Procuremos então trazer uma paz inquieta que nos mova a ensinar ou aprender dependendo da situação, e estar aberto a situação de ensinante ou aprendente. Mudando essa situação, e inúmeros podem ser as formas de mudar isso que nos rodeia, comecemos dando um troco nas urnas do ano que vem.  

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